Salve
Deus!
Meus
filhos:
Este
é um exemplo vivo do que tanto precisam e que me serviu – e vem servindo – a
vida inteira. Condicionados, nós nos esquecemos do nosso relacionamento eterno
com Deus...
Sim,
porque ao homem condicionado muito pouco podemos fazer na Doutrina. É tão
grande a sua indiferença às coisas deste Universo, que então todo o Sistema
Espiritual, principalmente se ele desfrutar de saúde e cultura, vive e sofre
para contestar o Espírito da Verdade. Ele enche seu ambiente com seus maus
pensamentos, tornando mais triste este mundo.
Esta
espécie de homem vamos encontrar no LENHADOR. Junto a ele encontraremos os que
se julgam em
liberdade. Veremos também, que os mesmos não passam de
cativos da ignorância e da desventura: são os ENCOURAÇADOS dos poderes da
Terra. E assim, vamos prosseguir nossa história.
O
dia começava a raiar na Terra, quando me encontrei na Mansão dos Encouraçados.
Vi gente que entrava e saía, como se fosse uma rodoviária. Nisso, passou alguém
que me chamou a atenção: o LENHADOR – um homem de aspecto cansado. Ouvi quando
Amanto disse bem alto:
-
Este homem tem um lindo exemplo a contar. Sua história alcança muitos séculos.
Ouvindo
como eu a narração de Amanto, ele se virou e batendo a mão em meu ombro foi me
arrastando dali.
Meio
surpresa o acompanhei, e ele começou sua narrativa:
Veja
minha irmã, o perigo das manias entusiastas: elas são contagiosas e ninguém se
inclina impunemente à beira do abismo da demência. Aqui está uma coisa horrível
que vou contar.
Então,
meio desconfigurado começou a levantar a pedra de seu sepulcro, dizendo:
Antes
vamos agradecer a Deus, a força e a maneira como aceitamos os desígnios de
nossa evolução na lei imutável do carma. Sim, a Lei de Deus nos faculta que
tenhamos cultura nos recursos de nossa inteligência, mas esperando, fica a nos
proteger em nossas dificuldades, pelo atraso de saber e não fazer. Como é fácil
de anotar na Individualidade, o que criamos na Terra pela ânsia de fazer sem
saber. Às vezes, adiantamos tanto uma Doutrina e não sabemos expressar o nosso
Amor.
Minha
querida Tia Neiva, tudo começou assim: eu estava na Terra e em uma linda manhã
de sol, saí para o campo para ali receber os seus raios, pois precisava me
aquecer. Porém, a Natureza mais uma vez me pregou uma peça. O tempo mudou e em
vez do sol veio um terrível temporal que me obrigou a sair correndo de volta
para casa.
Oh,
meu Deus! Como sofro ao lembrar, mesmo agora, depois de longos quatro séculos.
As árvores dobravam suas copas até o chão. Mal cheguei ao portão, ouvi alguém
que gemia pedindo para entrar. Era uma jovem que mal enxergando a luz com seus
negros olhos, queria também atravessar o portão. Ouvi ao longe os gritos da
Condessa, minha esposa, e num gesto de cuidados não deixei entrar aquela jovem,
porque sabia que não seria compreendido por Nice, minha querida esposa. Também
não disse a ela nada sobre a jovem.
O
temporal prosseguiu como um furacão, causando destruições naquelas imediações.
No
outro dia sucedeu o que sempre sucede aos covardes e egoístas: os criados
aflitos contavam o desespero de um triste pai que encontrara morta a sua filha
nas imediações do meu Castelo. A jovem havia morrido de frio e medo...
Era
uma família de Fidalgos que morava ali perto da minha Província. É difícil
descrever a dor que senti diante de um quadro tão culposo para mim. Não tinha
coragem de contar a ninguém a minha imensa covardia.
Dois
anos depois, Nice me deu uma linda filha, que ia crescendo e me fazia lembrar
ainda mais aquele olhar suplicante da pequena Fidalga.
Tudo
se passou, chegando eu a fazer um bom relacionamento com os Fidalgos. Por fim,
Nice morreu quando ia dar à luz uma outra linda menina.
Passei
meus dias sozinho naquele imenso Castelo, procurando me intelectualizar ao
máximo, já que nada tinha para fazer. Os criados tinham uma espécie de
compaixão por me verem tão só. Porém, um certo dia estava a me martirizar de
dores, quando ouvi a porta do quarto ranger como se fosse abrir e, me apareceu
a figurinha de Nice, que em um relance me disse:
-
Venha... Venha... Chegou o seu tempo!
Assustado
quis segurá-la, mas ela já desaparecia. Gritei por seu nome tão alto que os
criados vieram ao meu encontro. Eu estava ardendo de febre. Vi os criados a
correrem, porém não sentia interesse em perguntar nada. Fui ficando leve e
desaparecendo daquele local, sentindo que uma corrente muito forte tomava conta
de mim. Sem visão, absolutamente sem nada e... sem esperanças.
Minha
Tia Neiva, só Deus sabe as dificuldades que o sentido emocional provoca em
nossa alma.
Sim,
porque a matéria sem sintonia com a alma fica em desajuste, fica dispersa e
passa a ser uma ENERGIA ESPARSA, sem contato do Etérico.
- Um
homem, simples homem. É a hora de minha morte!...
Ouvia
o movimento dos criados, do médico e, por fim, passei a sentir como se
levitasse num crepúsculo, em um balé de luzes que acendiam e apagavam. Vi meu
pai e minha mãe se despedindo de mim e já em minhas agonias pensava:
-
Como? Se eles já morreram e eu estou também morrendo?
Oh,
meus paizinhos queridos! Logo estaremos juntos! Nisso chegou minha Nice e me
foi levando pela mão. Senti uma dor atroz no coração. Então ouvia a voz de
Bruno, meu mordomo:
-
Pobre Conde! Fez sua passagem. Como sofreu o meu querido patrão.
Ouvi
também o choro dos criados.
Oh,
fenômeno! Oh, meu Deus! Sentia que toda a matéria até então organizada,
começava a representar uma modalidade de energia esparsa, que ia me definindo
em outra situação, em outra condição de homem. Porém a mente era lúcida, cada
vez mais lúcida. Minha cabeça rodava, rodava e, finalmente entrei num novo
estágio: formou-se outra atmosfera. Um terrível zumbido, como se meus ouvidos
fossem arrebentar e a transformação incompatível se fez em uma dor, também
incomparável, porém muito rápida. Foi então que me senti do outro lado da vida.
-
Dor? – Perguntei – Por quê dor? Se eu estava morto, se já havia feito a
passagem...
Sim
Tia Neiva, é o que me pareceu. Porém, o deslocamento do PLEXO FÍSICO, o impacto
da energia compactada à corrente etero-magnética é uma dor física tão grande
que não tem qualificativos. Inclusive, fica no nosso subconsciente a ponto de
muitas vezes, por maior que seja o desespero, temos medo de morrer. É a razão
deste tamanho medo da morte.
Dali
parti para um novo e desconhecido mundo. Só – mais uma vez, só...
Ouvia
agora vozes no meu novo mundo, como se fossem me instruir para mais outra
experiência.
-
Seja o que Deus quiser – pensava sempre comigo e assim fui me libertando dos
meus defeitos.
No
terceiro dia levantei a vista, e vi ao longe um lindo Castelo. Então parti para
lá como se fosse a minha única salvação. E qual não foi minha dor!... Ao chegar
ao portão ouvi os gritos de Nice dizendo:
-
Venha! Venha meu amor! Venha me salvar...
Comecei
e andar no interior do Castelo enquanto seus gritos iam se distanciando. Oh,
meu Deus! Já estava cansado quando ouvi uma voz que me alertou:
-
Conde Lepant! Estás a seguir tua própria consciência. Nice já passou por aqui
faz dez anos.
-
Oh! – Gritei – Onde estou?
-
Estás sob o jugo de sua consciência, já disse.
-
Consciência? Não me lembro de nada. Diga-me onde estou.
- Em Pedra Branca, no
exílio dos mortos da Terra. Daqui partirás. Partirás para uma nova vida. Os
teus pensamentos o levarão a mundos que a tua percepção ainda não atingiu.
Procura estar atento ao Comando Universal, porque estás completando o teu
Retiro e dentro de algumas horas partirás para a Terra.
-
Como? Eu venho de lá e não deixei ninguém a me esperar...
-
Sim. Deixastes os teus criados e terás portanto de voltar à Terra.
Não
sei por quanto tempo ouvi a mesma voz. A cada hora me sentia mais lúcido. O
fato é que não sei porque tinha saudades de uma certa harmonia que penetrava em
meu nariz, em minha boca e nos meus poros.
Sim,
não sei mais por quanto tempo. Lembro-me somente de ter ouvido, como se fosse
uma melodia o Guia Universal dizer:
-
Passageiros da Terra: fiquem alertas para voltar. Já completaram o seu Retiro.
Comecei
a ter medo do que até então não tivera. Para onde iria? Enquanto pensava fui
atraído por um impulso vindo a descortinar uma grande rodoviária, onde pessoas
teleguiadas tomavam os seus rumos. Eu também segui o meu sem qualquer percepção
do meu destino. E qual não foi minha surpresa: Uma compreensão muito grande e,
em fração de segundos estava em frente ao meu Castelo. Quem sabe o que estava
acontecendo? Meu Deus! Entrei como se estivesse VIVO, porém sem sentir as
anormalidades do corpo. Agora era tudo diferente. Leve... leve... como se
estivesse em um corpo de pluma.
O
Castelo cheio de parentes, meu procurador e demais pessoas. Como é horrível Tia
Neiva, ver pessoas estranhas violarem os nossos objetos. É realmente terrível.
Tentei
sentar-me à minha mesa. Porém um grupo que saiu do corredor tomou toda a mesa.
Nisso o meu procurador começou a ler o testamento que eu havia deixado.
Deixara
uma grande parte para Janete, a Governanta, e para Bruno, meu Mordomo, meus
criados queridos.
Quando
foi lido o nome de Janete, ouvi seu choro convulsivo e corri para atendê-la. Meu
gesto a comoveu e eu – pobre de mim – debrucei sobre o seu corpo e ouvia o meu
som a dizer o que bem precisava...
Nisto,
ouvi a voz que dizia:
-
Chega Lepant! Sua hora está chegada. Vamos. Temos muito o que fazer. Uma nova
vida!
Era
Germano, o meu Guia Espiritual.
Saí
dali sem saber como terminara o meu inventário e também não me preocupei.
Uma
linda Chalana me esperava e saí sem pensar em nada. Se alguém perguntou
o meu nome? Não saberia dizer.
Nuvens
espessas cobriam o aparelho. Então, um novo mundo se descortinou em mim:
RESSURREIÇÃO. Ressurreição! Gritei diante daquele quadro que se apresentava em
frente aos meus olhos.
Oh,
Deus Todo Poderoso! Saí de um mundo e entrei em outro. De repente,
comecei a raciocinar: Como seria minha vida? Nice, minha Nice, onde deverá
estar neste momento neste Universo tão imenso? Comecei a ter medo. Medo do que
eu não conhecia... Sim, não sei porque, mas aquela beleza me dava medo.
Oh,
que saudades de minha Nice!
Por
fim, o aparelho parou diante de um enorme hospital, onde havia um letreiro:
CASA TRANSITÓRIA DE FABIANO.
Oh,
meu Deus! Desembarquei sem ninguém mandar. Porém, no interior do hospital,
encontrei um amigo: Lafaiete.
-
Oh, Lepant. Como vai?
Porque
estava ali, não sei.
-
Você me dá notícias de Nice, minha esposa?
-
Ela passou por aqui, há dez anos. Não tenho nenhum roteiro.
Nisto
alguém chamou:
-
Lepant! Venha para esta sala que a tua família espera.
Oh,
meu Deus! Cheguei e encontrei uma enorme tela que me assustou. Sentamos – Eram
muitos – e começou a grande prova para mim. Eu que até então pensava ter
entrado no esquecimento... Germano puxou uma alavanca, e tudo começou: eram 10
horas da manhã na Mansão dos Lepant, quando um lindo casal deixava os portões
do Castelo e as flores se misturavam com as cores do rosado vestido da
Condesinha, minha Nice e seu irmão Roberto, um terrível jogador que acabara com
a fortuna do Conde meu sogro. Em resumo: Nice por amor a seu irmão roubava
dinheiro do meu cofre, ou melhor, do nosso cofre, e pagava as contas de seu
irmão, inclusive com sorrisos e insinuações ao lado do terrível cobrador.
Comecei
a me lembrar de sua rápida enfermidade, dos desencontros e de nossos reajustes.
Comecei a ver seu romantismo, o mundo de onde eu viera.
Oh,
meu Deus! – Pensava. Como? No entanto, eu deixara morrer a pobrezinha de frio e
medo, para não melindrá-la. Distraído em minha dor comecei a ouvir a voz do meu
Mentor amigo:
-
Chega por hoje. Veja como sofrem os que passam na Terra sem nada fazer. Nunca
fostes saber o que acontecia em seus arredores. Bruno e Janete foram seus
legítimos pais. Pediram a Deus esta oportunidade de serem seus criados, para
resgatar uma velha dívida que contraíram outrora com você.
-
Oh, meu Deus! Como fui tolo! – disse eu na força da expressão, lembrando do
olhar carinhoso de Janete e de Bruno.
Após
breve silêncio, Germano continuou:
-
Salve Deus! Agora vamos ouvir o Rosário de Salmos, que é o Canto da Energia
Imortal. Venha ver quem realmente se venera neste recanto de Amor e Paz.
Fizeste na Terra aquele rico Castelo, sem suor do teu rosto e sim pelo ouro
pesado. Aqui é o Jardim que os anos e o tempo não destroem. Fecha os teus olhos
e verifique que ainda está diante de ti mesmo, do teu jugo. Agora deixe teu
fardo nas mãos de quem poderá sustentá-lo.
Nisso,
uma jovem mulher apareceu, parecidíssima com minha Nice. Senti amá-la, porém
algo me dizia – aquele Espírito tinha o todo de Nice – enquanto pensava sem
rancor, fora traído pela minha pobre consciência.
-
Deixa o teu fardo, Lepant! Já lhe disse...
Oh,
meu Deus! Onde estaria eu àquelas horas? A minha pequena cabeça não saía do
ciclo vicioso, sempre com os mesmos pensamentos – Nice me traíra – e eu? Estou
na Terra, no espaço ou em que plano? Deveria estar...
De
repente, um forte abalo me fez alertar. Senti medo da solidão e gritei:
-
Oh, meu Deus!
Germano
me perguntou com carinho:
- O
que houve? Lepant, para estar perto de Deus só nos basta pensar nas boas obras.
Os nossos pensamentos são as nossas asas.
-
Por quê este estrondo?
- O
silêncio é perigoso quando temos muitas falhas no subconsciente. Aqui também
trabalhamos... O que você não soube fazer com sua riqueza na Terra.
-
Sim – gritei – o trabalho. Não sei fazer nada!
-
Saberás, quando tua alma também souber se entrelaçar a outras almas.
Nisso,
um grito nos tirou do recinto onde estávamos: uma mulher pedia por socorro.
Instintivamente corri para lá. Oh, meu Deus! Fui em socorro de alguém pela
primeira vez em minha vida. – Lepant, somente naquela encarnação fostes tão
indiferente. Começa em ti a grande luta. Seja verdadeiro contigo mesmo. A
sinceridade, quando real, persiste e vence.
Todos
estes movimentos vêm da natureza universal inferior. Dar expressão a um impulso
ou movimento não é o suficiente para uma afirmação religiosa ou doutrinária no
caminho da Evolução. Deixe que a iluminação te brilhe a alma. O intercâmbio
vital não lhe serve mais. Procura! Não fiques a chorar pelo que não fizeste e
sim procure entoar teu Canto Universal.
-
Oh, meu Deus. Tudo é delicioso!...
Como
pode, Tia! Aquele lindo Missionário e eu, um pobre Sofredor, tão bem
coordenados. A cada dia eu mais me entregava ao trabalho, em missão junto
àqueles chegantes, e minha mente ia se desenvolvendo.
Tia
Neiva, esta história é realmente interessante, digna de ser ouvida. Sim, Tia.
Ainda não terminei. A parte mais interessante vem agora.
Salve
Deus! Desde que eu estivera ali, jamais sentira o que neste dia – ou tempo,
como marcamos no espaço – sentira. Diferente de tudo o que até então sentira.
Fiquei à espreita de meu querido Mentor Germano e fui prevenindo minha alma.
-
Vamos partir – disse – Vamos, porque não tens mais com que pagar a tua estada.
Oh,
meu Deus! Lembrei-me de que estava fraco e minha perturbação tinha razão de
ser. Minha alma discorreu e balancei a cabeça. Pensei como devem sofrer aqueles
que na Terra não têm dinheiro para se alimentar.
Oh!
Fui prevenido por minha alma... Salve Deus!
-
Sim – disse Germano – este é o Todo Poderoso...
Saímos
dali caminhando, caminhando como se estivéssemos na Terra. Caminhamos,
caminhamos até cruzarmos com um homem. Germano perguntou-lhe:
-
Conheces bem estas imediações?
-
Não, estou foragido – disse ele, apressando-se a distanciar-se de nós.
Então,
Germano comentou que ele vivia há muito tempo naquelas redondezas. Senti um
pouco de fraqueza e dor em meu coração. E aqueles pobrezinhos que viviam nas
imediações de meu Castelo? Oh, meu Deus. Deixei que morressem de fome e, no
entanto tudo me sobrava. Tentei, mais uma vez, afastar o meu remorso, a minha
imensa covardia. Germano me advertiu:
-
Prossegue. Vamos, prossegue. Não tentes cair no mesmo padrão vibratório. Aos
poucos tu vais pagando o que deves.
Continuamos
nossa busca até chegarmos em frente a um enorme Albergue. Lá, encontramos uma
mulher, cujas jóias a ornavam da cabeça aos pés. Olhei o meu traje e Germano
observava-me com um leve sorriso nos lábios. A que poderia atribuir o
comportamento daquela senhora? Louca, simplesmente louca. Atônito, disse:
-
Não trabalha. E como ela vive? Se não me tivessem tirado da Mansão de Fabiano,
eu estaria sofrendo terrível perturbação por falta de BÔNUS para o meu
alimento. E ela, como os ganha?
-
Foi ela quem trouxe tudo da Terra.
-
Como, Germano? Trouxe da Terra? Explica-me melhor.
-
Sim, te direi.
Porém,
antes que Germano dissesse alguma coisa, apareceram dezenas de escravas, tentando
servi-la. Vinham muitas, porém ela gritou:
-
Esperem. Um pouco de cada vez.
-
Viu? Elas a obedecem...
Foi
então que surgiu um casal muito lindo e começou a ser feita uma Doutrina. Não
sei por quanto tempo demorou aquela solenidade. O fato é que todos ali tomaram
um novo rumo sob as Bênçãos de Deus.
-
Viste, Lepant? Não podemos julgar os outros pelas aparências.
Desta
vez, mais do que nunca, os acontecimentos me deixaram confuso. Sentindo fome,
muita fome, olhei para cima e vi algo que me deslumbrou: uma nave muito grande
se deslocava no espaço. Para onde iria?
-
Lepant, tenhas cuidado. Uma coisa de cada vez. Por quê não procuras saber o
destino dos escravos?
-
Oh, Jesus! Como sou distraído. Desculpa-me, irmão.
-
Sim, Lepant. Enquanto estávamos em harmonia não pudemos expandir a nossa força.
Ouça:
Lá
no final do Albergue tocavam uma sineta.
-
Vamos, para termos um bom lugar.
Sim,
sempre pensando: Onde irei, o quê me espera?
A
senhora das jóias não participava. Permaneceu em seu lugar. Linda mulher. Agora
eu podia ver muito bem o que se passava. Ia perguntar, quando duas Chalanas se
encontraram e um enorme estrondo nos tirou da sintonia, nos removendo para
outro Plano.
Comecei
a raciocinar bem melhor e a me preocupar com as coisas que vira e ouvira. Por
exemplo: aquela mulher, a sua beleza, suas maneiras. Como a encontrara... tudo
tão estranho.
-
Para onde vamos? – Perguntei.
-
Vamos voltar para o Albergue.
-
Estamos em outra estrada?
-
Sim, estamos.
-
Por quê?
-
Vamos para outro Albergue.
Desta
vez, enquanto caminhávamos, pensava como era perfeito este Universo. Chegamos a
um rico Albergue, onde uma grande família ria de seus desencontros na Terra.
Sem ser notado fiquei ouvindo. Tive inveja de um certo comentário de uma linda
jovem que estava ali e havia sido esposa de um cego, cujo destino o levara à
mendicância. Logo entrou o ex-cego e ambos se beijaram abraçados. Meu Deus,
tanta simplicidade.
Nisto,
entrou a linda mulher das jóias, com muita familiaridade.
-
Oh, querida Sabá! Entre e cante para nós.
A jovem
cantou e dançou lindas canções. Senti como se todo o Universo a estivesse
ouvindo. Depois, ela levou a mão ao peito e suspirou dizendo:
-
Oh, meu Deus! Porquê me faltou Amor no momento mais precioso de toda a minha
vida?
Dizendo
estas palavras soluçou. Fiquei vibrando para saber mais alguma coisa sobre
aquela linda mulher, mas, logo entrou um estranho nos botando para fora do
Albergue.
Nisto,
reconheci um Abade que passou e, num relance, compreendi que todos que ali
estavam saíram à procura dele.
Então
fiquei só com Germano e a linda mulher que estava sentada em uma pequena e
triste pracinha. Cheguei-me para junto dela, sentei-me e comecei a perguntar
sobre sua procedência. Ela começou a me contar sua história dizendo:
-
Vivia numa pequena cidade no interior da Índia. Meu pai e minha mãe eram
pescadores de pérolas, e formaram um grande patrimônio. Tão grande que me
fizeram Rainha. Tornei-me poderosa, mas cedo meus pais morreram. Então fiquei
endurecida. Não amava ninguém, dificilmente sorria. Até que um dia encontrei o
olhar do jovem Janara, filho de meu escravo. Ah, meu amigo, quanta paixão.
Nunca me perdoarei por ter desperdiçado a minha oportunidade. Lembro-me agora
com saudades. Tenho ânsias. Que horror! Foi triste, realmente. Só me resta
contudo recuperar o tempo perdido nestas condições deprimentes. Encho-me de
jóias preciosas e fico à mercê dos que me julgam.
Enquanto
Sabá falava ocorreu-me um pensamento: tão linda que eu não posso acreditar em
sua piedade; não acredito também que alguém possa desposá-la. Porém, como
estávamos no mesmo nível de evolução, ela não sabia o que eu pensava e nem eu,
tampouco, sabia o que ela pensava.
Ela
sorriu mostrando a sua beleza, e eu ainda fiquei pensando mil coisas quando um
forte estrondo nos fez tremer.
-
Oh, meu Deus! – gritei – Não me acostumo. Não me acostumarei nunca com esses
estrondos...
Ela
deu uma gargalhada como se fosse um Canto e despedindo-se me disse:
-
Hoje me libertarei daqui. Deus, o bom Deus te libertará também um dia.
Foi
se levantando como um lindo pássaro naquele crepúsculo, que é como nos parecia
aquele Plano de nossa evolução.
Só!
Novamente só, continuei sentado naquela pracinha, não sei por quanto tempo. De
vez em quando aparecia alguém que se sentava, contava suas dores, suas paixões
e prosseguia. Porém eu era além de medroso, um grande preguiçoso. Foi preciso
que um forte estrondo me atirasse em outro lugar – um bonito Albergue.
Compreendi que os estrondos nos tiravam a sintonia e nos levavam a uma situação
primária. Sim, primária...
Na
minha força de expressão, o fato é que a nossa mente entra em choque e um
processo de nosso próprio mecanismo expulsa as ficções, nos dando outras
oportunidades de novos raciocínios. Sempre a mesma coisa: alguém se lastimando
do que deixou de fazer.
Estava
observando os movimentos de alguns Centuriões que se movimentavam na escuridão,
e tive inveja. Perguntei:
- O
que poderia fazer para ingressar nessa comitiva algum dia?
-
Voltar à Terra – disse alguém.
-
Voltar à Terra? – Admirei, sentindo nova esperança. Poderia tirar a imagem que
tanto me torturava.
Não
podia ficar ali parado. Resolvi caminhar, porém sempre com medo de me afastar
muito. À medida que caminhava a iluminação ia se ofuscando, como se tivesse
chegado à hora do crepúsculo. Comecei a ouvir sons – risadas, gente alegre que
estava em missão. Não
preciso explicar que me familiarizei com toda aquela gente. Não sei por quanto
tempo vivi ali meio despercebido do resto do grupo.
Um
certo senhor de voz calma, se levantando em um degrau mais alto daquele luxuoso
pavilhão onde estávamos, disse em voz de quem vai discursar:
-
Meus caros contemporâneos, chegou o nosso grande momento. Voltaremos para a
Terra na grande missão que nos foi dada. Iremos remover séculos. Partiremos
para uma nova conquista e mais uma vez, iremos libertar aqueles Espíritos e
remover novamente neste primitivo roteiro – e apontando com uma espécie de
lápis mostrava na grande tela a Terra em seus diversos ângulos. De repente,
surgiu na tela uma embarcação sobre o oceano tempestuoso, parecendo uma pequena
folha prestes a sucumbir nas águas.
Em
seu discurso ele dizia o nome dos personagens que futuramente estariam em sua
direção. Dizia, também, que iriam reencarnar em Portugal.
-
Salve, salve Lamúrcio. Salve, salve Lamúrcio. – Aclamava o grupo.
Veio
em minha mente a pergunta: de onde teria vindo esse grupo, estes personagens
tão unidos? Eu sei que viera da França. Como se tivesse ouvido minha pergunta,
o orador continuou seu discurso:
-
Oh, meu Deus! Parece que foi hoje quando descemos as cordilheiras e chegamos às
Planícies Macedônicas, descobrindo Esparta. Foi horrível! Fomos massacrados
pelos Dórios. Oh, como foi dura aquela Península Peloponense. Os Gregos nutriam
verdadeiro ódio provocado pelos Dórios, a ponto de impregnar aquele ódio em toda
a Península, ou melhor, em toda aquela gente. Os Gregos e os Egípcios
acreditavam na vida além física, os segredos da morte; nas revelações
sucessivas e nas comunicações com os Mundos. Esse ensino provocava uma grande
evolução da alma, provocava impressões tão profundas infundindo uma paz, uma
serenidade e uma força moral incomparável. Em resumo, a DOUTRINA SECRETA, Mãe
das Religiões, na maneira de cada Tribo, foi infundida a ponto de nunca morrer.
-
Porquê nunca morreu? – Perguntou alguém.
- É
impossível que morra a Doutrina Mãe, como a chamamos na Terra. Ela é uma
revelação, é algo biológico do predestinado, de sua missão, que age segundo
sabemos pela indução recíproca; altamente moderada sobre o centro principal do
seu eixo. Quando as células inferiores entram em excitação por excesso de
estimulações na linha do interoceptível, que ameaçando o sensitivo do homem, se
esgota pela seqüência moderadora ou regência moderada, impondo o freio e o
controle dinâmico-sensorial, exigindo sua ação. São as células coronárias que
decidem os três reinos. São estas células que governam o cérebro, ou pineal, ou
células inferiores. Entram em período de estafa ou decomposição do sistema
dualista nervoso, ou de outra parte do núcleo vegetativo, os quais dão origem
às fibras. Não há como superar funcionalmente os dois setores nervosos, porque
ambos são vinculados ao cérebro, sujeitos às suas flutuações. São rigidamente
controlados pelo sistema da flutuante alma, que estabelece um equilíbrio
cerebral, pela indução recíproca dos três reinos de sua natureza. Esta
atividade desordenada na concepção do sistema nervoso, é desvantajosa ao homem
na Terra. Meus irmãos que pensam voltar à Terra. O homem físico sofre
seriamente pela sua falta de Amor. As suas propriedades são imensas, porém
sempre de acordo com o seu padrão vibratório.
-
Oh, meu Deus! – Pensei – Quanta coisa além do infinito. Meu Deus, sou um
estrangeiro que jamais voltará à sua pátria, ao seu primeiro estágio.
-
Desculpe, Lepant – Disse alguém – O teu suspiro vem de longe. Pensa e tenha
esperanças. Não ouves uma só palavra, não vês bem o meu rosto, a minha face.
Passou a hora dos sonhos. Este é um mundo em que não se oculta nada. Ainda és
um hóspede silencioso.
-
Passaram as horas do sonho – Oh! – Gritei, como se fosse um gemido – Estou
preso pelas garras do meu Castelo, sinto-me amarrado a seus portões. Não vejo à
minha frente a luz da manhã. Não posso expulsar de meus pensamentos meu
horrendo crime – ele vem a vaguear à vontade.
-
Venha, meu hóspede silencioso – disse a voz – Eu me chamo Lamúrcio e já estou
com a missão em Deus de voltar à Terra. Olhe, Lepant, a alma do mundo é uma
força que tende sempre ao equilíbrio. É preciso que a vontade triunfe sobre ela
ou ela triunfa sobre a vontade. Toda vida incompleta é atormentadora. É preciso
conhecer nesta visão, o homem acordado deste plano asfixiado pelas emanações da
Terra. Saia deste falso sonambulismo que o seu inconseqüente estado de espírito
provocou. O seu único reflexo vivo é a ciência do mundo invisível, e continua a
ser um dos mais importantes ensinamentos reservados.
Sim,
porém, a ciência invisível entre os homens, e as almas desencarnadas pelas
propriedades desses fluídos, pela ação que a vontade exerce sobre eles, onde
explicamos os fenômenos da sugestão da transmissão de pensamentos, segundo o
passado e o passado no futuro. É preciso saber que a vontade do homem modifica
também o seu comportamento, a sua razão nos seus amores, nos seus impulsos e
nos seus desejos. Aqui tens uma natureza e na Terra tivestes outra, bem mais
ardente, a que te fez chorar hoje e poderá te fazer rir amanhã. A própria
natureza do homem ensina por indução que existe ordem. O Ser é substância e
vida. A vida se manifesta pelo movimento e o movimento se perpetua pelo
equilíbrio. Assim, o equilíbrio é pois a Lei Imortal. A consciência é o
sentimento e a justiça. Chega, Lepant. Já te condenastes e não fizestes nada.
-
Salve Deus! – Gritei – Quero fazer alguma coisa. Eu quero fazer alguma coisa.
-
Sim – Disse o nosso Comandante – Breve teremos uma oportunidade para
reencarnarmos.
- Eu
quero essa oportunidade – gritei eufórico.
-
Sim – Disse alguém – Espero que Deus te conceda essa oportunidade.
Como
sempre um grande estrondo nos tirou da sintonia e, de repente, estávamos em
outro local. Lembrei-me de Germano – Nossos pensamentos são como as nossas asas
– E ali estava ele parecendo estar à minha espera e me falou:
-
Como? Então já pensas em partir para a Terra?
-
Sim, penso. E mais: Vou com um grupo que, segundo me informaram, parte para uma
grande conquista.
- É
um compromisso muito grande. Recebeste alguma coisa?
-
Não. Estou com muita fome. Onde vamos?
-
Para o Albergue de Nana. Lá você não sentirá mais fome.
-
Por quê?
-
Porque lá existe trabalho.
-
Sim, porém na Terra eu comia e não trabalhava.
-
Lepant! Esta missão é perigosa. Hoje a sua mente está muito pesada. Porém tão
logo se acerte, tudo estará bem. Vais ter prazer em viver aqui, fazendo a
caridade. Saibas que as imperfeições da vida não se corrigem através da
meditação, porque a alma não entra em atividade normal, aqui neste Terceiro
Plano onde nos encontramos. Salve Deus! Vamos continuar nossa jornada.
De
repente chegamos a um lindo Albergue. Bateram palmas com nossa chegada. Foi
emocionante. Muitas pessoas comentavam assuntos diversos e eu sem sentir
comecei a participar, como se estivesse há muito tempo naquele ambiente. As
horas alegres e as horas tristes terminavam de uma maneira que me deixava
realizado.
Voltei
para o Albergue de Matozinho, onde já estava bem familiarizado. Estava sentado
em uma pracinha, quando ouvi terrível algazarra e em seguida um estrondo. Só
restou Germano que veio falar comigo.
-
Oh, Lepant! Vim despedir-me de ti.
-
Para onde vais? – Perguntei.
-
Vou para a Terra.
-
Para a Terra? Como? – Perguntei – Como?
- Desde
que a Terra libertou o Homem Pássaro, nunca mais evoluiu. O Homem Pássaro veio
logo depois dos Equitumãs. Eles vieram na força da era. Dizem que se
transportavam de um lado para outro e foram esses homens que se afastaram de
Deus, deixando a vibração da Terra na pior sintonia. Ah! Se não fossem aqueles
homens a Terra estaria melhor...
-
Não estou entendendo muito bem esta sua narração. Por acaso não estás com algum
cobrador a te vibrar? Sim, se vais para a Terra...
-
Não, Lepant, não. Vou para a Terra, já te disse. Porém, as vibrações não estão
me atingindo. Estou falando dos Homens Pássaros porque eu fui um deles – e tu
também. Porquê fostes tão egoísta quando estivestes por lá?
-
Eu? Não me lembro de nada, de nada mesmo.
-
Vamos para a Terra. Aproveita, pois os tempos vão chegar em que as
oportunidades irão ficar muito escassas.
-
Não tenho coragem, enquanto não me esquecer da jovem Inara.
- Só
esquecemos quando pagamos nossos débitos.
-
Oh, meu Deus. Sou realmente um preguiçoso. Fico de um lado para outro sem me
preocupar. Depois como irei escapar? – Pensei.
Com
esses pensamentos, nos despedimos.
Era
30 de outubro e eu me levantei com mil pensamentos, quando ouvi os aplausos de
todo o povo reunido, alegre, sem saber o que me vinha na alma.
Meio
atônita, meio desequilibrada, me mantive sem demonstrar o que sabia do futuro
daquela gente.
Salve
Deus!
Com
carinho,
A Mãe em Cristo.
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