Há
uns dez anos atrás, vivia em uma cidade de Goiás, bem próxima da Capital do
Estado um cidadão chamado Manoel Truncado.
Ele
era casado com uma mulher pacata e jovem chamada Maria.
O
casal tinha três filhos: José o caçula, Marília e Josefa, duas mocinhas.
Manoel
Truncado estava com mais de 40 anos e havia lutado muito para sobreviver com
sua família. Seu pai fora um fazendeiro no interior de Goiás e Manoel crescera
na dura vida de peão. Apesar das terras serem boas, o pai de Manoel Truncado
nunca soubera tirar melhor proveito delas e com isso a vida para eles sempre
fora de luta e sofrimentos.
Um
dia o pai de Manoel acabou por perder a fazenda e eles tiveram que se mudar
para aquela cidade. Os velhos logo morreram e Manoel teve que se ajustar a uma
vida para a qual não fora preparado. Trabalhou aqui e ali mas não conseguiu se
firmar em lugar algum.
Um
dia ele conheceu Maria, uma jovem bonita e simples que trabalhava ara ajudar os
pais. Os dois se amaram e logo se casaram sem muitos planos para o futuro. As
pessoas acostumadas com a pobreza não olham muito à frente e resolvem seus
problemas com certa facilidade. Assim fizeram Manoel e Maria e o casal logo
ganhou uma filhinha.
No
primeiro ano de casado Manoel procurou se firmar no trabalho árduo de
carroceiro. O casal morava numa casinha construída no fundo do terreno,
deixando a frente toda livre. Manoel mantinha uma cocheira onde guardava a
carroça e seus dois animais. Nas tardes quentes e de vento parado, o cheiro do
estrume invadia a pequena residência, mas eles já estavam tão acostumados que
nem o sentiam. Manoel Truncado gostava de acariciar o corpinho tenro de Josefa,
deitada numa bacia forrada de panos.
Depois
vieram Marília e por último José. A vida ficou tão apertada como a casinha em
que moravam. Manoel começou a frequentar com mais assiduidade o botequim da
beira da estrada e a descuidar de seus negócios.
Logo
começou a se manifestar nele um gênio arrogante e agressivo, que atemorizava os
vizinhos e deixava as crianças com os olhos arregalados de medo.
Enquanto
isso, Maria sempre quieta e acostumada ao trabalho duro, se resignava lavando
roupa para ganhar algum dinheiro.
Manoel
começou a se ausentar de casa e chegava a passar noites fora. Nos dias que se
seguiam essas ausências, ele costumava chegar na carroça com os cavalos meio
estropiados e os largava no pátio. Resmungava qualquer coisa e se deitava em
pleno dia de roupa e tudo.
Maria
desatrelava os cavalos com auxílio de José e das meninas e, a casa ficava
quieta ouvindo-se apenas os roncos surdos de Manoel. Quem mais sofria com isso
era o pequeno José. Ele já estava no primeiro ano do grupo escolar e sua
inteligência viva, procurava explicações das coisas que a escola não lhe
ensinava. No princípio Manoel procurava ajuda-lo em suas lições e Zezinho
adorava fazer perguntas. Mas, depois que Manoel começou a beber e se ausentar,
ele ficava horas e horas manuseando seus cadernos, na espera que Manoel o
ajudasse.
E
assim a situação foi piorando a ponto de se tornar insustentável. Começou a
faltar a comida e as discussões violentas se processavam, sem mais nem menos.
Maria que habitualmente mal tinha tempo de chegar até a cerca da casa para
falar com a vizinha, começou a sair em busca de auxílio. As crianças ficavam em
casa e deixaram a escola.
Maria
acostumada a viver sempre na vida dura de casa, começou a se embaraçar na vida
fora de casa. Fez as primeiras dívidas e das dívidas passou aos favores
ilícitos. Em pouco tempo se separou de Manoel Truncado e se prostituiu por
completo. Um dia Manoel Truncado descobriu que estava só com seus cavalos
estropiados. Maria o abandonara sem deixar endereço, levando consigo as
crianças.
No
princípio Manoel pouco se importou e, juntando o pouco que restava de sua vida
material se lançou nas aventuras baixas da periferia da cidade, até que uma
ocasião saudoso da família, decidiu sair a sua procura.
Sua
busca foi infrutífera, até que ele encontrou a morte num desses tristes
episódios que acontecem na calada da noite. Nos seus últimos tempos na Terra,
ele começara a atribuir toda sua desdita à esposa que o abandonara.
Seus
sete dias na Pedra Branca foram de intensa agonia. Ele não conseguiu dominar
seus desejos de vingança, fomentados pela sua mente desvairada.
Ao
se ver livre encaminhou-se como relâmpago em direção à família.
Os
Mentores Espirituais ficaram temerosos do que podia acontecer à já tão sofrida
família e o desviaram de rumo. Cheio de rancor e agressividade, Manoel Truncado
acabou por ser atraído pelos Bandidos do Espaço (1) e foi vendido a uma Falange
de um Terreiro (2).
Essa
Falange pertencia ao reino do Exú Tranca Rua, e Manoel Truncado passou a sofrer
nas garras dos Exús tarimbados do Terreiro. Ele agora era um prisioneiro da Lei
Negra.
A
Lei Negra é uma espécie de máfia do Mundo Invisível e como sua similar na Terra
física, ela escraviza seus membros, quase sem possibilidades de libertação.
Suas
Falanges são alimentadas e crescem a custa dos Espíritos nômades e sem
protetores. E isso acontece por opção do próprio Espírito com seu livre
arbítrio.
Sempre
que um Espírito termina seu estágio na Pedra Branca, onde ele tem a
oportunidade de conhecer a verdade sobre si mesmo, seus Mentores dão-lhe toda a
assistência e lhe mostram o caminho. Mas a decisão é sua e a chance permanece
até o último instante. Se ele toma a decisão errada acaba por se tornar vítima
da Lei Negra.
Existem
uns Espíritos no submundo invisível que se chamam Exús Caçadores (3). Eles
ficam a espreita e aguardam as decisões dos Espíritos recém desencarnados.
Assim que os Mentores desistem eles entram em ação.
Aproximam-se
dos Espíritos, seduzem e os levam às suas Cavernas (4). Lá eles são submetidos
a todas as sevícias e são treinados nos costumes, até se tornarem Exús.
Manoel
Truncado conheceu então o que era realmente sofrer.
Os
anos na Terra foram se passando e ele foi adquirindo tarimba. Seu gênio
agressivo o ajudou de tal maneira que ele logo começou a se destacar em meio às
tenebrosas tarefas. Em pouco tempo ele adquiriu o direito de se chamar Exú
Tranca Rua, nome do titular da Falange e passou a ser temido pelos mais ferozes
Espíritos.
Aos
poucos ele foi formando um grupo de adeptos e estabeleceu seu reino. Com sua
esperteza ele fez um convênio com o Exú Tenório. Esse Espírito é um
especialista em hipnose magnética, e isso lhe dá uma força terrível no submundo
etérico. A hipnose se presta muito nas macumbas e o novo Exú Tranca Rua,
ex-Manoel Truncado, se aproveitou disso.
Estávamos
então em 1959 e um fato inteiramente oposto aconteceu nas imediações da Caverna
de Tranca Rua. Nessa data mudaram para o local chamado Serra do Ouro, o grupo
de Tia Neiva e formara-se assim a primeira Comunidade da Corrente Indiana do
Espaço (UESB). E o tempo continuava a correr na ampulheta da vida.
Certo
dia Truncado, agora chamado Tranca Rua, estava sentado no seu trono quando
ouviu alguém praguejando com violência. Sabia por experiência que se tratava de
algum novato recém trazido pelos Exús Caçadores. Muniu-se do seu chicote
magnético e se encaminhou para o local do barulho. Lembrava-se de como fora
tratado quando chegara, e seu maior prazer era aplicar pessoalmente a correção
nos novatos. Ele tinha um jeito especial de chicoteá-los até convence-los.
O
Espírito estava seguro pelos Caçadores e Truncado desfechou a primeira
chibatada. A vítima urrou de dor e ódio e seus olhos lançavam chispas de ira
impotente. Truncado ia dar a segunda chibatada, quando seu braço estancou no ar
como se tivesse batido num rochedo invisível. O Espírito que estava chicoteando
era do seu filho José!
A
cena terrível ficou paralisada num momento de agonia. Os dois Espíritos, pai e
filho, se fitavam com horror e espanto. Subitamente Truncado achou a voz e
gritou em desespero: “Zezinho meu filho! Você aqui?! Não, não! Não o quero
aqui! Levem-no daqui!”.
Passado
o primeiro momento de surpresa os Caçadores largaram Zezinho e começaram a
zombar da fraqueza de Truncado, espezinhando-o pela atitude tão diferente dos
seus hábitos.
Zezinho
porém aproveitou o descuido de todos e num gesto brutal e enérgico, arrebatou o
chicote da mão de Truncado e passou a chicoteá-lo com ódio arrebatador!
Truncado
não se defendia e Zezinho o chicoteou até ele cair sem forças. Enquanto ele
batia com o terrível chicote magnético, vociferava com ódio: “Tome miserável,
pelo mal que nos causou! Minha mãe se prostituiu por sua causa seu canalha! Ela
foi obrigada a isso para dar de comer a mim e as minhas irmãs, suas filhas!
Elas agora vão para o mesmo caminho que minha mãe, a prostituição! Tudo por sua
culpa seu miserável! Mas eu disse que um dia eu o encontraria, e agora o
encontrei!”
O
tempo continuou a correr na ampulheta da vida.
Zezinho
agora era um terrível Tranca Rua, mais feroz que seu pai.
Truncado
desmoralizado no próprio reino, mas não querendo se afastar de Zezinho,
tornou-se um nômade do submundo dos Exús. Cheio de ira e confuso com a cilada
que a vida lhe preparara, redobrou as atividades maléficas sem cautela nem
medidas. Suas estripulias puseram em sobressalto toda a região entre Anápolis e
Alexânia, durante longo tempo.
Nessa
época aconteceram desastres incríveis. Carros perdiam a direção sem causa
aparente, e a estrada começou a ter cruzes fincadas de pessoas que
desencarnavam nesses desastres. Crimes aconteciam nos sítios vizinhos da
rodovia e, o consumo da cachaça aumentou nos botequins de beira de estrada.
A
atmosfera da região começou a modificar-se visivelmente. Os macumbeiros
aumentaram de número e as doenças tétricas varavam as noites nas várzeas e
encruzilhadas.
Na
Comunidade da UESB, Tia Neiva recebia as lições dos Mundos Encantados dos
Himalaias, e os Médiuns se desdobravam no Serviço do Cristo Jesus.
Um
dia Neiva recebeu a notícia de que estava para chegar um circo que se
instalaria nas imediações da UESB. Mas não se tratava de um circo comum, desses
que a gente está habituado a ver, tratava-se de um circo etérico!
De
fato o Mundo Invisível da região estava alvoroçado. O circo chegou com
estardalhaço, com seus palhaços, seus acrobatas e seus carros coloridos. O
palhaço principal chamava-se “Remendão”.
Os
Espíritos desencarnados afluíram para o circo, em massa. Depois disso
desapareciam da região...
Tranca
Rua-Manoel Truncado também não resistiu e foi ver o circo. Quando deu por si
estava capturado pela Falange dos Centuriões! Ele urrou e ameaçou mas de nada
lhe adiantou. Levado para a UESB foi sendo doutrinado e acabou por conversar
longamente com Tia Neiva. Ela na sua proverbial paciência foi mostrando seu
quadro espiritual e ele ali ficou. A fagulha de ódio de seus olhos foi sendo
substituída pela luz baça do arrependimento. Às vezes o seu gênio rancoroso o
dominava e ele dava trabalho aos Médiuns da UESB.
Por
fim os Mentores, com o auxílio de Neiva, conseguiram encaminha-lo para o Canal
Vermelho (5). Lá ele foi atraído para um lugar chamado Umatã, mudou sua
roupagem de Exú e sua maior preocupação continuou sendo seu filho Zezinho. Na
Terra, na Caverna do antigo Tranca Rua-Truncado, um outro rei impera no seu
reinado de ódio, o Tranca Rua Ex-Zezinho. Sua ferocidade é maior do que era a
de seu pai. O chicote magnético que fora usado pelo seu pai continuava a
sibilar nas costas de outras vítimas, outros Espíritos nômades apanhados pelos
Exús Caçadores.
Naquele
tempo Tia Neiva sentia certa frustração no Canal Vermelho.
Na
verdade, para um Espírito que conserva a consciência, a mesma consciência nos
vários Planos em que penetra, a paisagem do Canal Vermelho assusta um pouco no
começo.
Apesar
de bonito, com seus enormes jardins, suas pontes, seus belos edifícios, sua
vida complexa, sua luz cambiante de tons lilás e sua simetria, seu conjunto
dificulta a sintonia. É como uma cidade criada artificialmente e cheia de
truques mágicos.
Essa
construção do Plano Etérico se destina a adaptação de Espíritos arraigados a
formas obsessivas de ideias. Ele estabelece um clima de transição entre a
concepção que alimentaram na Terra e a realidade do Mundo Invisível, da outra
etapa da estrada da vida.
Tia
Neiva vai com frequência ao Canal Vermelho em sua Missão. Nesse
dia enquanto aguardava a presença de seus amigos espirituais, ela observava com
curiosidade as atividades em torno dela. De onde se achava via o enorme
letreiro de Umatã que parecia mudar constantemente. Às vezes ela lia a palavra
“Umbanda” e outras parecia que ali estava escrito “Candomblé”. Ficou a pensar
no assunto até que decifrou o enigma. Tratava-se de uma forma adequada para
fazer certos Espíritos que chegavam se “sentirem em casa”.
Não
muito distante havia uma espécie de Templo, com letreiro onde se lia “Igreja
Presbiteriana” e, pouco além havia outro Templo com aspectos nitidamente
católicos.
Dessa
forma os Espíritos desencarnados encontram um ambiente similar do que tiveram
na Terra. Só que a realidade é bem diferente. Seja em termos Candomblé,
de Umbanda, de Catolicismo, de Protestantismo ou de qualquer outra Doutrina, a
direção é dos Espíritos Missionários que mostram lentamente a esses Espíritos,
sua sobrevivência depois da morte terrena.
Nessa
madrugada ela se encontrou com Manoel Truncado. Ele se lembrou imediatamente
dela e sua primeira manifestação foi em torno de seu filho Zezinho e sua
família. Neiva notou que ele ainda pensa muito em termos do Exú que foi na
Terra. Embora tenha modificado sua roupagem, ele vai ao Templo Umatã como ia aos
terreiros da Terra. Ela tem uma pena imensa desse Espírito e o ajuda sempre que
pode.
Eram
quase cinco horas da manhã quando ela voltou para a Terra. Preocupada com a
promessa feita a Manoel Truncado ela procurou ver Zezinho. Mas não conseguia
vê-lo com sua roupagem de Exú; a única coisa que conseguiu captar em sua Visão Espiritual,
foi a figura de um menino de sete anos, esperando o pai para lhe ensinar a
lição da escola...
Com carinho,
A Mãe em Cristo.
Notas
do Texto
Caro
leitor:
Para
a Doutrina do Amanhecer o Exú é conhecido como um Sofredor, um Espírito
desencarnado, que continua ativo no Plano Invisível da Terra.
Ensina-nos
nossa Clarividente Neiva que se torna Exú, habitualmente, o homem de
personalidade ativa, orgulho intelectual e que seja demasiado apegado às coisas
da sua alma, da vida transitória. Seguindo a Doutrina do Mestre Jesus ele
merece todo nosso amor e tolerância.
Isso
não significa, necessariamente, que precisemos de seus serviços ou nos
subordinemos a eles. Os Exús têm seus reinados nas sombras etéricas e agem como
todas as forças destrutivas; não criam mas apenas transformam as energias. Não
sendo criadores de forças e não tendo acesso às fontes de energias puras, eles
necessitam de uma fonte: essa fonte é o ectoplasma humano, seja de Espíritos
encarnados ou desencarnados.
Essa
é a razão básica dos engodos que eles estabelecem, como base do relacionamento
com os encarnados. Sempre que o homem abandona a iluminação Crística, a luz do
Amor, da Tolerância e da Humildade, ele fica sujeito às influências desses
tipos de Espíritos. Esse é o envolvimento daqueles que praticam as magias com
intenções somente humanas e se colocam como juízes do bem e do mal. Resumindo:
o relacionamento com os Exús somente se faz, em termos de troca de serviços,
quando as intenções são da alma e não do Espírito: quando a orientação não é a
do Cristo Jesus.
Salve Deus!
(1)
Bandidos do Espaço
– São Espíritos desencarnados que se tornaram delinquentes. Embora eles andem
em bandos, não formam “Falanges”, isto é, não seguem uma norma, uma bandeira ou
finalidade específica como a maioria dos Espíritos. Eles se comprazem em fazer
mal sem uma finalidade em si.
Por essa razão eles são duplamente perigosos, pois nunca se
sabe o que vai em suas mentes maldosas.
(2)
“Vendido ao Terreiro”
– Como na organização física, o mundo invisível vive da força, da energia
individual. Os Terreiros são organizações de relacionamento entre o Plano
Invisível e o Físico. Quanto mais Espíritos são escravizados pelos Exús, maior
é sua força de trabalho.
(3)
Exús Caçadores –
São Espíritos pertencentes a alguma Falange de Exús, que se especializam em
seduzir e se apossar dos Espíritos desprotegidos, que se recusam a aceitar seus
destinos cármicos; verdadeiros nômades do Mundo Invisível.
(4) Cavernas
– São as habitações etéricas dos Espíritos que operam em contato íntimo com a
superfície física. Sendo Etéricas, elas não ocupam espaço físico mas permanecem
sempre no mesmo “lugar”, e se tornam perceptíveis pelo ambiente que formam em
torno de si.
(5)
Canal Vermelho –
Posto de Socorro do Plano Etérico. Cidade Intermediária onde os Espíritos
permanecem em aprendizado até o máximo de 7 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário